Resumo da Doutrina Buddhista
Resumo da Doutrina Buddhista
O texto abaixo foi desenvolvido por um discípulo leigo do mestre Zen Moriylama Roshi com o propósito de ser uma apresentação sistemática dos principais ensinamentos do Buddha, para servir de base para conversas do Dharma e posterior aperfeiçoamento por parte dos praticantes. Esperamos que o presente texto auxilie o leitor na compreensão e no estudo dos ensinamentos buddhistas. Referências Bibliográficas: "A Essência dos Ensinamentos de Buddha" (do Thich Nhât Hanh); "Textos buddhistas e Zen-buddhistas" (do Ricardo Mário Gonçalves).
As Quatro Nobres Verdades
1. Existe o Sofrimento. Sofrimento é: nascimento, velhice, doença, morte, estar na presença do que se detesta, estar longe do que se gosta, não obter o que se deseja, perder o que se deseja. “Sofrimento” significa a natureza insatisfatória de todas as experiências que vivemos.
2. Causas do Sofrimento. Os três venenos da mente são a causa de todo sofrimento: ignorância, desejo e aversão.
3. A Cessação do Sofrimento. Cessando os três venenos.
4. O Caminho para Cessação do Sofrimento. É o Nobre Caminho Óctuplo.
O Nobre Caminho Óctuplo
1. Compreensão Correta. Saber distinguir os nutrientes saudáveis dos não saudáveis, o pensamento errôneo do correto, a fala errônea da correta, etc. Compreender as Quatro Nobres verdades, o karma, a
impermanência e o não-eu. É também uma profunda confiança no Caminho, e uma visão adequada da realidade.
2. Pensamento Correto. É o pensamento que está de acordo com a compreensão correta. Reflete a realidade das coisas, sem distorções subjetivas. É o pensamento que não provém e nem alimenta os três venenos da mente: ignorância, desejo, aversão. É cultivar uma mente de altruísmo, uma mente que busca o Caminho iluminado.
3. Fala Correta. Falar de forma calma e amorosa e ouvir com atenção e compaixão. Não mentir, caluniar, distorcer os fatos ou exagerar. Não ferir nenhum ser através de nossas palavras. Não falar inutilmente. Não
semear a discórdia. Não falar mal dos outros. Nossas palavras devem sempre estar de acordo com o Caminho, devem sempre serem benéficas.
4. Ação Correta. Não-violentar; não roubar; não ter má conduta sexual; comer, beber e consumir apropriadamente.
5. Meio de Vida Correto. Encontrar uma forma de viver que não o obrigue a matar, fraudar, mentir, vender armas, drogas, bebidas ou escravos; não tirar a sorte.
6. Esforço Correto. É diligência, a perseverança no Caminho. Há quatro práticas ligadas ao esforço correto: não alimentar sementes não-sadias em nossa consciência; abandonar as sementes não-sadias já manifestas;
alimentar as sementes sadias; manter as sementes sadias já manifestas. Esforço correto é abandonar a visão errônea e adotar a visão correta; abandonar o pensamento, a fala e a ação errônea e adotar o pensamento,
a fala e a ação correta. Esforço correto, acima de tudo, é domar a sua mente.
7. Atenção Plena Correta. Atenção plena significa estar em pleno contato com o nosso corpo, sensações, emoções, pensamentos, formações mentais, e estados de consciência. É a prática de observar e cuidar de
tudo o que aparece em nós, seja positivo ou negativo.
8. Concentração Correta. É a prática da meditação, zazen. É permanecer profundamente absorto aqui-e-agora, onde toda dualidade desaparece. A concentração correta é o resultado natural da prática dos
outros itens do Caminho.Cada um dos aspectos do Caminho contém os outros sete.
Os itens 1 e 2 correspondem à Sabedoria; os itens 3, 4, 5 à Ética; e os itens 6, 7, 8 à Meditação.
Elementos Básicos do Buddhhismo
• Impermanência. Todas as coisas são impermanentes. Tudo muda o tempo todo sem parar. Nada é igual nem por um instante. Nada é estável. Um minuto atrás, nós éramos diferentes tanto física quanto mentalmente. O que nos faz sofrer não é a impermanência em si, mas o nosso desejo de que as coisas sejam permanentes enquanto elas não o são. Impermanência é movimento, é vida. As coisas só existem na sua forma e cor presentes.
• Não-eu. Nada que existe tem existência em si mesmo, separada e independente. Cada coisa precisa estar ligada com todo o universo para poder existir. Cada coisa é uma junção de elementos que não são ela mesma. Não existe nada que é separado do resto, que possa existir de forma independente e definitiva.
• Interdependência. Vazio. Nada pode existir por si só. Tudo é criado por várias condições, e todos os fenômenos estão inter-relacionados. É a Unicidade. Quem compreende profundamente esta verdade pratica a compaixão, pois vê que é um com tudo o que existe. Tal pessoa compreende um segredo da vida: que a felicidade só pode ser encontrada na compaixão e no altruísmo, e que seguir os nossos desejos egoístas só
nos traz sofrimento e perturbação. A interdependência pode ser resumida no seguinte ensinamento do Buddha: “Vos ensinarei o Dharma: se isso existe, aquilo vem à existência; do surgir disso, surge aquilo; se isso não existe, aquilo não vem à existência; da cessação disto, aquilo cessa”. Todas as ondas (fenômenos) pertencem ao mesmo oceano (unidade, totalidade, verdade) da Vida.
• Karma. É a lei de causa e efeito. Construímos karma através das nossas ações de corpo, da fala e da mente. As ações virtuosas geram bons resultados e felicidade; as ações não-virtuosas geram más condições e
sofrimento. A retribuição kármica se dá em três etapas do tempo: nessa mesma vida, na próxima vida, em vidas posteriores. Momento após momento nós geramos karma e criamos a nossa realidade.
• Samsara. Todos os seres estão sujeitos à roda do nascimento e da morte sucessivos. O Buddhismo acredita que as energias kármicas emanadas das nossas ações boas e más geram um novo corpo e uma nova mente de acordo com a natureza dos impulsos kármicos. Samsara em sânscrito significa “perambulação”.
• Nirvana. Nirvana é a Liberdade Incondicionada. É a liberação total do sofrimento, um estado de paz inabalável e de indescritível felicidade. É um estado além de todos os conceitos.
• As Três Práticas: Ética; Meditação; Sabedoria.
• Os Cinco Desejos Básicos: comida/bebida; sono; sexo; riquezas; fama.
• Os Três Tesouros: Buddha: O ser iluminado, ou o Absoluto; Dharma: os ensinamentos, o Caminho; Sangha: a comunidade de praticantes.
• Os Cinco Preceitos: 1. Não matar; 2. Não roubar; 3. Não mentir; 4. Não ter conduta sexual imprópria; 5. Não lidar com intoxicantes. Não seguir os preceitos não é "pecado"; é, simplesmente, ignorância. "Enquanto a má ação está verde, o perverso nela se satisfaz; mas, uma vez amadurecida, ela lhe traz frutos amargos." – Dhammapada, 119.
• As Duas Verdades: É a verdade absoluta e a relativa. Em termos relativos, é preciso praticar para extinguir o sofrimento; em termos absolutos, não há sofrimento, nem caminho, nem realização — a onda já é a água. Absoluto e relativo se encaixam perfeitamente, e as duas verdades se complementam. Devemos viver em contato tanto com o absoluto quanto com o relativo.
As Três Qualidades do Dharma
1. Impermanência: Todas as coisas são impermanentes. Tudo muda o tempo todo sem parar. Nada é igual nem por um instante. Nada existe que possa ser considerado um eu permanente. Um minuto atrás, você era diferente do que é agora, tanto física quanto mentalmente. O que nos faz sofrer não é a impermanência em si, mas o nosso desejo de que as coisas sejam permanentes enquanto elas não o são. Impermanência é movimento, é vida.
2. Não-eu, ou Vazio: Nada que existe tem existência em si mesmo, separada e independente. Cada coisa precisa estar ligada com todo o resto para poder existir. Cada coisa é uma junção de elementos que não são ela mesma. Nada possui uma essência estável e permanente, por isso as coisas só existem assim como elas são agora. As ondas (todas as existências particulares) são manifestações passageiras do mar (o Todo, o conjunto e a fonte de todas as condições).
3. Nirvana: Nirvana é o estado de absoluta liberdade e de completo silêncio do coração, além de todos os conceitos. Literalmente nirvana significa “extinção”: extinção das nossas ilusões, desejos, e outros estados mentais negativos. O nirvana já é a base da nossa existência, a natureza búdica sempre foi o nosso verdadeiro ser. O que precisamos é nos esforçar para compreender e manifestar a nossa natureza mais profunda.
As Três Portas da Liberação
1. Vazio (Sunyata): O vazio é o Caminho do Meio entre a existência e a não-existência. Vazio significa que nada possui um eu. Quando as nossas ações emanam da consciência da natureza vazia da realidade, são ações iluminadas.
2. Ausência de Imagens (Animitta): Imagem é qualquer sinal que está na nossa consciência (sinal provindo de um dos seis sentidos). A realidade encontra-se além dos sinais. Tudo se manifesta através de imagens, mas as imagens nos enganam.
3. Ausência de Objetivo (Apranihita): Nada existe a ser feito ou realizado. A verdade mais profunda da existência é que nós já somos o todo, já somos a natureza de Buddha. Nesse sentido absoluto, nada nos falta. A ausência de objetivos é o que permite viver o momento, e ser felizes aqui e agora.
Os Quatro Pensamentos Incomensuráveis
1. Amor: é o desejo de que os outros seres sejam felizes, e a ação nesse sentido. É um sentimento incondicional, que nasce da compreensão da unidade fundamental de todas as coisas.
2. Compaixão: é o desejo de que os outros não sofram e a ação para aliviar a dor alheia. Quando entramos em contato com o sofrimento do outro, a compaixão brota em nosso coração. Para isso precisamos de atenção plena.
3. Alegria: a alegria provém naturalmente de um coração que reconhece a preciosidade que é ter nascido como um ser humano e poder praticar o Dharma.
4. Equanimidade: é o desapego aos opostos, olhá-los de forma igual. Equanimidade significa imparcialidade, não discriminação, equilíbrio mental. É não discriminar “eu” e “outros”. É permanecer imóvel ao sofrer palavras e ações injustas, e ao ouvir elogios. É não permitir que surja a irritação, a amargura, o desânimo. É experimentar todas as sensações sem deixar surgir desejo ou aversão.
Os Cinco Agregados
1. Forma (rupa): é o nosso corpo físico.
2. Sensação (vedana): elas podem ser agradáveis, desagradáveis ou neutras. Toda/s as sensações são impermanentes e sem substância (como todos os outros quatro Agregados)
3. Percepções (samja): nossas percepções são sempre distorcidas por nossas aflições mentais já presentes: o medo, o desejo, a raiva.
4. Formações Mentais (samskara): existem 51 tipos de formações mentais, e duas delas são as sensações e as percepções. Esse Quarto Agregado é composto por todas as outras 49 formações mentais. Tudo que é feito de um outro elemento é uma “formação”.
5. Consciência (vijnana): é o alicerce sobre o qual erigimos nossas formações mentais. Os Cinco Agregados não são sofrimento em si, mas produzem sofrimento ao nos apegarmos a eles.
As Seis Perfeições
1. Dana (Generosidade): é o doar, a caridade, a abertura do coração. É dar sem apego. Podemos dar coisas materiais, ensinamentos, ou a nossa presença, estabilidade e paz. Fazer algo com a consciência de seu valor absoluto também é dar.
2. Sila (Ética): é viver de acordo com os preceitos buddhistas.
3. Kshanti (Paciência): é a capacidade de tudo aceitar e de perdoar, sem rancor, as injustiças que nos foram cometidas. É alargar o nosso coração para que um punhado de sal não deixe nossa água salgada. É ser como a terra, que tudo acolhe sem reclamar ou discriminar. É absorver tudo o que nos acontece na vida. É semelhante à equanimidade.
4. Virya (Esforço): determinação, energia, perseverança. É não desanimar ou desistir. Não vacilar. Avançar sem recuar, decididamente. Nosso esforço deve ser correto, e não devemos nos apegar aos resultados.
5. Dhyana (Meditação): é a prática do zazen, a prática da atenção plena. É clarear e libertar a mente. É consumir-se por completo naquilo que se está fazendo, estando totalmente presente e consciente.
6. Prajna (Sabedoria): é a sabedoria da não-discriminação. É a capacidade de ver as coisas como elas são. Prajna Paramita é a mãe de todas as paramitas e a base de seu desenvolvimento. Prajna é a compreensão do vazio. As seis perfeições, ou paramitas são, em última análise, uma só.
Os Sete Fatores do Despertar
1. Atenção Plena
2. A investigação dos fenômenos
3. Esforço
4. Serenidade
5. Alegria
6. Concentração
7. Equanimidade
Buddha disse que, praticando a Atenção Plena, os Sete Fatores do Despertar se fazem presentes.
As Cinco Lembranças
1. Eu tenho a natureza daquilo que envelhece. Não há como escapar da velhice.
2. Eu tenho a natureza daquilo que adoece. Não há como escapar da doença.
3. Eu tenho a natureza daquilo que morre. Não há como escapar da morte.
4. Tudo que me é caro e todas as pessoas que amo tem a natureza daquilo que muda. Não há como não me separar deles.
5. Minhas ações de corpo, fala e mente são meus únicos pertences verdadeiros. Não há como escapar da conseqüência de minhas ações. Elas são o chão no qual eu piso.
Outros
• Os Três Mundos: passado, presente, futuro.
• Os Três Reinos: o reino dos desejos, o reino da forma, o reino da nãoforma.
• Os Três Tipos de Orgulho: achar-se superior aos outros; achar-se inferior aos outros; achar-se tão bom quanto qualquer um.
• Os Quatro Tipos de Apego: apego aos prazeres dos sentidos, apego às opiniões, apego às regras e ritos, apego à noção de um "eu".
• Os Cinco Poderes: fé, esforço, atenção, concentração, sabedoria.
• Os Seis Sentidos: visão, audição, olfato, paladar, tato e mente.
• Os Seis Grandes Elementos: terra, água, ar, fogo, espaço (akasha) e consciência.
• As Oito Consciências: As cinco primeiras consciências (os cinco sentidos); manovijnana (consciência mental); manas (intelecto, consciência discriminativa); alayavijnana (consciência armazenadora, mente inconsciente).
• Os Oito Aspectos da Iluminação: livre da ganância, capacidade de satisfazer-se; quietude; esforço diligente; memória correta; concentração; sabedoria; evitar discussões à toa.
• Os Doze Elos da Originação Interdependente: ignorância (avidya); ação intencional (samskara); consciência (vijnana); nome e forma (nama rupa); os seis sentidos; contato; sensação; desejo; apego, vir-a-ser; nascimento; velhice e morte.
Giovanni Kakugen
Pensamento Correto
Quando a Compreensão Correta se toma parte integrante de nosso ser, o resultado é o Pensamento Correto (samyak samkalpa). Necessitamos da Compreensão Correta como alicerce do pensamento. E se treinarmos o Pensamento Correto, nossa Compreensão Correta irá se aprimorar. O processo de pensar é a fala da mente. O Pensamento Correto torna a nossa fala mais clara e mais benevolente. Como o pensamento costuma conduzir à ação, o Pensamento Correto é fundamental para nos conduzir ao caminho da Ação Correta.
O Pensamento Correto reflete a forma como as coisas são. O pensamento errôneo nos faz enxergar as coisas "de cabeça para baixo"(viparyasa). Mas praticar o Pensamento Correto não é nada fácil. O que costuma ocorrer é que nossa mente está pensando uma coisa enquanto o corpo está fazendo outra. Corpo e mente não funcionam de forma unificada. Para isso, a respiração consciente é um elemento importante de ligação. Quando nos concentramos na respiração, estamos unindo o corpo à mente e tornando-os íntegros de novo.
Quando Descartes disse: "Penso, logo existo", ele estava afirmando que podemos provar nossa própria existência através do pensamento Eu concluiria o exato oposto: "Penso, portanto não existo."
Enquanto mente e corpo não funcionarem unificadamente, vamos continuar nos perdendo de nós mesmos e não poderemos dizer que estamos realmente aqui, presentes. Se praticarmos a respiração conscientemente, entrando em contato com os elementos curadores e renovadores que já existem dentro de nós e ao nosso redor, conseguiremos encontrar paz e estabilidade. A respiração consciente nos ajuda a parar de nos preocupar com as tristezas do passado e as ansiedades do futuro. Ajuda-nos a entrar em contato com a vida no momento presente. A maior parte de nosso pensar é totalmente desnecessária, porque ele é composto de pensamentos limitados e dotados de pouca compreensão. Às vezes parece que há um gravador dentro de nossa cabeça - ligado dia e noite - e não conseguimos desligá-lo. Ficamos preocupados, tensos e temos pesadelos. Quando praticamos a atenção plena, começamos realmente a ouvir pela primeira vez a fita que está no gravador de nossa mente, e então percebemos quais os pensamentos úteis e quais os inúteis.
O pensamento tem duas partes - o pensamento inicial (vitarka) e aquele que se desenvolve a partir dele (vichara). Um pensamento inicial é algo como "esta tarde tenho que entregar o trabalho de literatura". O desenvolvimento deste pensamento pode ser perguntarmo-nos se fizemos o trabalho corretamente, se deveríamos reler a redação mais uma vez antes de entregar, se o professor vai perceber que entregamos atrasados etc. Vitarka é o pensamento original e vichara seu desenvolvimento.
No primeiro estágio da concentração meditativa (dhyana), os dois tipos de pensamento se fazem presentes. No segundo estágio, nenhum dos dois aparece. Nessa altura, teremos um contato mais profundo com a realidade, e estaremos livres de palavras e conceitos. No ano passado, ao passear em um bosque com um grupo de crianças, percebi que uma das meninas estava absorta em seus pensamentos.
Finalmente, ela me perguntou: "Vovô monge, de que cor é a casca daquela árvore?" "É da cor que você a vê", respondi eu. Eu queria que ela penetrasse naquele mundo maravilhoso que estava à sua frente, e não desejava colocar mais nenhum conceito em sua cabeça.
Existem quatro práticas relacionadas ao Pensamento Correto:
(1) "Você tem certeza?" - Se houver uma corda em seu caminho e você enxergar uma cobra, o medo inevitavelmente surgirá. Quando mais deturpada for sua percepção, mais incorreto será seu pensamento resultante. Por favor, anote as palavras "Você tem certeza?" em uma grande folha de papel e pendure em algum lugar bem visível, onde não possa deixar de ver. E repita esta pergunta inúmeras vezes. As percepções errôneas geram pensamentos incorretos e muito sofrimento desnecessário.
(2) "O que estou fazendo?" - Às vezes pergunto a um dos meus alunos o que ele está fazendo, para ajudá-lo a largar os pensamentos sobre o passado ou sobre o futuro e retornar ao momento presente. Pergunto para ajudá-lo a existir - aqui e agora. Para responder, ele só precisa sorrir. Um sorriso é a única coisa que demonstraria sua real presença.
Quando nos perguntamos o que estamos fazendo, fica mais fácil vencer o hábito de querer terminar tudo rapidamente. Sorria para si mesmo e diga: "Lavar este prato é a coisa mais importante de minha vida." Quando se perguntar, "O que estou fazendo?", reflita seriamente sobre a questão. Caso os pensamentos o arrastem para outras paragens, você precisa de mais atenção plena para impedir que isso aconteça. Quando você está realmente presente, lavar os pratos pode ser uma experiência profunda e extremamente agradável. Mas se você lava os pratos pensando o tempo todo em outra coisa, está perdendo tempo e provavelmente deixando de lavar bem os pratos. Se não estiver presente, nem que lave 84.000 pratos não terá mérito.
O imperador Wu perguntou a Bodhidharma, o fundador do zen budismo na China, quanto mérito ele havia conquistado ao construir templos por todo o país. Bodhidharma respondeu: "Mérito nenhum." Mas se você lavar um único prato com atenção plena, se construir um pequeno templo enquanto permanece inteiramente no momento presente - sem querer estar em nenhum outro lugar, nem desejoso de fama ou reconhecimento -, o mérito deste ato será enorme, e você se sentirá feliz. Pergunte sempre a si mesmo: "O que estou fazendo?" Quando você aplica a plena atenção ao que está fazendo, sem ser arrastado por seus pensamentos, torna-se uma pessoa feliz e um instrumento de ajuda para os outros.
(3) "Alô força do hábito!" - Nós tendemos a ser fiéis aos nossos hábitos, mesmo aqueles que provocam sofrimento. O hábito de trabalhar demais é um bom exemplo. No passado, nossos ancestrais precisavam trabalhar o tempo todo simplesmente para colocar comida na mesa. Mas hoje em dia temos uma forma de trabalhar compulsiva, que nos impede de ter um contato maior com a vida. Pensamos em trabalho o tempo todo, e não nos concedemos tempo nem para respirar. Precisamos encontrar momentos para contemplar as flores de cerejeira e para tomar nosso chá com atenção plena. Nossa forma de agir depende da forma de pensar, e a forma de pensar depende dos hábitos. Quando entendemos isso, só precisamos dizer: "Alô força do hábito!", e nos tornarmos amigos dos nossos padrões de pensamento e de ação. Quando aceitamos os pensamentos que estão enraizados dentro de nós sem nos sentirmos culpados, eles perderão grande parte de seu poder sobre nós. O Pensamento Correto sempre conduz à Ação Correta.
(4) Bodhichitta - Nossa "mente de amor" é o desejo profundo de cultivar a compreensão dentro de nós, para poder ser um veículo de felicidade para os outros. É a força motivadora por trás da vida consciente. Tendo a bodhichitta como alicerce dos pensamentos, tudo o que fizermos ou dissermos ajudará os outros a se libertarem. O Pensamento Correto acaba produzindo o Esforço Correto.
O Buda nos ensinou muitas formas de transformar os pensamentos destrutivos. Uma das formas, disse ele, é substituir um pensamento não-saudável por outro saudável, simplesmente "trocando a cavilha", da mesma forma que um marceneiro substitui uma cavilha podre martelando uma nova por cima. Se formos constantemente invadidos por pensamentos pouco saudáveis, precisamos aprender a trocar as cavilhas, substituindo este tipo de pensamentos por outros mais saudáveis. O Buda comparou o pensamento não-saudável a uma cobra morta enrolada no pescoço. Ele disse que a forma mais fácil de impedir que este tipo de pensamento nos invada é viver em um ambiente saudável, por exemplo, numa comunidade que pratica o viver consciente. Com a ajuda e a presença dos irmãos e irmãs de Darma, é fácil manter o Pensamento Correto. Viver em um bom ambiente é a melhor medicina preventiva.
O Pensamento Correto é aquele que está em conformidade com a Compreensão Correta. É um mapa que pode nos ajudar a encontrar o caminho. Mas quando chegarmos ao nosso destino precisaremos deixar o mapa de lado e mergulhar na realidade. "Pensar sem pensamentos" é uma famosa frase zen. Quando praticamos a Compreensão Correta e o Pensamento Correto, aprendemos a viver no momento presente, entrando em contato com as sementes da alegria, da paz e da liberação, curando e transformando nosso sofrimento, e aprendendo a estar disponíveis para os outros.
(Do livro “A Essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)
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Os Cinco Poderes Espirituais (parte 2)
O que a maioria das pessoas chama poder, os budistas chamam desejos. Os cinco desejos são a riqueza, fama, sexo, comida refinada, e muito sono. No Budismo, nós falamos dos cinco verdadeiros poderes, cinco tipos de energia. Os cinco poderes são fé, diligência, plena consciência, concentração e insight. Os cinco poderes são a fundação da real felicidade; eles estão baseados em práticas concretas que nós aprenderemos. Nesse texto vamos estudar os dois últimos poderes.
O poder da Concentração
A plena consciência provoca o quarto poder, o poder da concentração. Quando você beber seu chá, apenas beba seu chá. Desfrute seu chá. Por favor, não beba seu sofrimento, seu desespero, seus projetos. Isto é muito importante. Caso contrário você não poderá se nutrir.
Há coisas que você viu, mas não muito claramente. Você pode usar o poder da concentração para experimentar um progresso e ver a natureza do que está lá profundamente. Talvez você tenha alguma dificuldade, depressão, medo ou desespero e queira olhar profundamente a natureza de sua aflição para poder transformá-la. Para fazer isto você precisa de muita concentração.
Concentração pode nos ajudar a olhar profundamente a natureza da realidade e pode provocar o tipo de insight que pode nos liberar do sofrimento. Há muitos tipos de concentração que nós podemos cultivar. Através da concentração na impermanência, nós nos damos conta que tudo constantemente está mudando. Nós podemos morrer amanhã ou a qualquer hora por causa de um acidente. Nós deveríamos fazer tudo o que podemos para fazer nossos familiares felizes hoje. Amanhã pode ser muito tarde.
Com concentração no não eu - a realidade que nós não temos um eu separado - nos damos conta que o sofrimento não está só em nós, mas também na outra pessoa. Não só nós sofremos, mas também nossos filhos, nossos parceiros, nossos amigos e nossos colegas. Quando desenvolvemos concentração em interser, na interconexão de todas as coisas, vemos que se nós os fizermos sofrer eles nos farão sofrer de volta. Concentração na natureza da impermanência, não eu, e interser podem nos ajudar a realizar grandes avanços que trarão o quinto tipo de poder para nós, insight.
O poder do Insight
Insight, o quinto poder, é uma espada que sem dor corta todos os tipos de sofrimento, inclusive o medo, o desespero, a raiva, e a discriminação. Se você estiver usando seus poderes de concentração, o insight lhe permite ver no que você está concentrando completamente. Concentração em impermanência e não eu conduz ao insight de impermanência e não eu.
Impermanência não é uma idéia, não uma noção, mas um insight. Muitos de nós tentamos nos agarrar a alguma noção de estabilidade ou permanência desesperadamente. Ficamos ansiosos quando ouvirmos o ensinamento da impermanência. Mas impermanência não é apenas negativa; impermanência pode ser muito positiva. Tudo é impermanente, inclusive a injustiça, a pobreza, a poluição e o efeito estufa. Em nossas vidas, há mal entendidos, há violência, há conflito, há desespero, mas estas coisas também são impermanentes, e porque são impermanentes é que podem ser transformadas se nós tivermos insight em como viver no momento presente.
Porém, às vezes nos esquecemos da impermanência. Embora intelectualmente percebamos que tudo é impermanente, nos esquecemos naquele dia que nossos familiares adoecerão e morrerão. Não nos lembramos que nós mesmos temos que morrer algum dia. Temos uma tendência a pensar que sempre viveremos. E mesmo que não tenhamos o insight, precisamos viver lindamente e realmente apreciando nossos familiares. Para muitos de nós, a dor intensa que sentimos com a morte de um ente querido não é totalmente porque sentimos a falta dele. Ela existe em maior parte porque lamentamos que, enquanto nosso amado estava vivo, não tivemos tempo para ele, não cuidamos dele de todo coração. Nós podemos tê-lo tratado indelicadamente. E agora que nosso amado se foi, nos sentimos culpados. Se nós tivermos o insight da impermanência, saberemos que nosso amado morrerá um dia e que temos que fazer tudo que pudermos para fazê-lo feliz hoje. Não espere por amanhã. Amanhã pode ser muito tarde. Se nós soubermos viver de acordo com o insight da impermanência, não cometeremos muitos erros. Nós poderemos ficar felizes agora mesmo. Nós poderemos amar nossos entes queridos, cuidar deles e fazê-los felizes hoje. E não correremos para o futuro, perdendo nossa vida que só está disponível no momento presente.
Quando o Buda falou sobre impermanência, ele estava falando de insight. Ele não estava sendo pessimista, mas só nos lembrando que a vida é preciosa, que temos que entesourar todo momento de vida. Concentrando deste modo na impermanência, nos trará o insight da impermanência. Com este tipo de insight, não nos permitimos levar pelo desespero, raiva, ou negatividade, porque nosso insight nos diz exatamente o que fazer e o que não fazer para mudar a situação. Com impermanência, tudo é possível.
Sem insight, nós pensamos em poder como algo que ganhamos para nós mesmos e para nós mesmos sozinhos. Mas outro insight que nós podemos cultivar é o insight de não-eu. Não-eu não quer dizer que você não existe, significa você não é uma entidade completamente separada. Muito do nosso sofrimento nasce da discriminação entre eu e o outro e nossa noção de um eu separado.
Suponha que você seja um pai. Olhando seu filho, você verá que ele é sua continuação. Da mesma maneira que uma planta de milho é a continuação de um núcleo de milho, a criança é uma continuação do pai. O pai está lá em toda célula do filho. Pai e filho não são exatamente uma pessoa, mas eles não são exatamente duas pessoas diferentes. Se o pai pode ver isto, ele toca a natureza do não-eu. Se o filho sofre, o pai sofre, e vice-versa. Ficar bravo com seu filho é ficar bravo com você mesmo. Ficar bravo com seu pai é ficar bravo com você mesmo. Isto é muito claro. Quando você puder tocar sua natureza de não-eu, quando já não vir uma distinção entre você e seu filho, sua raiva desaparecerá. Quando você estiver em uma luta de poder, se você souber meditar no não-eu, saberá o que fazer. Você pode parar seu próprio sofrimento e o sofrimento das outras pessoas que estão na luta. Você sabe que a raiva dele é sua raiva, o sofrimento dele é o seu sofrimento, e a felicidade dele é a sua felicidade.
Quando meu braço esquerdo dói por causa do reumatismo, eu tento tomar conta dele: eu faço massagem nele e tudo o mais para trazer alívio a meu braço esquerdo. Eu não fico bravo com meu braço esquerdo. Quando tenho um estudante que sofre, que está em dificuldade, tento praticar assim. Eu não fico bravo com ele. Tento tomar conta dele como se tomasse conta de meu próprio braço; porque ficando bravo com meu estudante estaria ficando bravo comigo e não ajudaria a situação. Mas nós só podemos agir com este tipo de sabedoria depois que alcançarmos o insight de não-eu.
No Budismo há um tipo de sabedoria chamado a sabedoria da não discriminação. Não discriminação é um elemento do verdadeiro amor. Eu sou destro, assim eu faço a maioria das coisas com minha mão direita: escovo meus dentes, convido o sino a soar, escrevo caligrafia. Eu escrevi todos os meus poemas com a minha mão direita. Mas a minha mão direita nunca está orgulhosa de si mesma. Nunca diz, “Mão esquerda, você não é boa para nada! Eu tenho que fazer tudo sozinha." E minha mão esquerda não tem um complexo de inferioridade. Nunca sofre, é maravilhoso. A mão direita e a mão esquerda sempre estão em paz entre si. Elas colaboram de um modo perfeito. Esta é a sabedoria do não-eu que está viva em nós.
Um dia eu estava martelando um prego na parede para pendurar um quadro. Eu não estava muito hábil, e em vez de bater no prego, bati no meu dedo. Imediatamente, minha mão direita largou o martelo e tomou conta de minha mão esquerda. A minha mão direita nunca disse: "Mão esquerda, você sabe, eu estou tomando conta de você. Você deveria se lembrar disso." E minha mão esquerda não disse: "Mão direita, você me fez sofrer. Eu quero justiça, me dê aquele martelo!" Minha mão esquerda nunca pensa assim. Assim a sabedoria de não discriminação está lá em nós. E se nós fizermos uso disto, haverá paz em nossa família, em nossa comunidade.
Se os hindus e muçulmanos da Índia usassem a sua sabedoria de não discriminação, haveria paz. Se os israelitas e palestinos perceberem a sabedoria de não discriminação, não haverá mais guerra. Se os americanos e iraquianos vissem que são irmãos e irmãs, duas mãos do mesmo corpo, eles não continuariam se matando uns aos outros. Todos nós precisamos cultivar este tipo de sabedoria. Com este insight, podemos nos desfazer do nosso próprio medo, sofrimento, separação, e solidão, e podemos ajudar os outros a fazerem o mesmo.
Insight vem do entendimento. Podem já haver elementos de entendimento em nós, mas se não tivermos tempo para estarmos atentos e concentrados, o insight não se manifestará em nós. Precisamos criar o tipo de ambiente onde a plena consciência e a concentração fiquem fáceis. É como preparar a terra de forma que a flor que plantamos possa brotar. Insight é o tipo de entendimento que se obtém depois que você está atento. Se você se permitir se perder em lamentações sobre o passado e preocupações sobre o futuro, é difícil o insight crescer e será mais difícil de saber qual a ação certa para tomar no presente.
É por causa da ignorância que nós sofremos. Quando começarmos a tocar o insight, estaremos profundamente em contato com realidade e não há mais qualquer medo. Há compaixão. Há aceitação. Há tolerância. É por isto que nós falamos sobre insight como um tipo de super-poder. Se você tomar algum tempo para olhar para realidade usando os insights de impermanência e não-eu, terá um progresso que o liberará de seu sofrimento e suas dificuldades. Todos os primeiros quatro poderes conduzem a este quinto super-poder. E com o insight vem uma tremenda fonte de felicidade.
(Traduzido Do livro The art of power – Thich Nhat Hanh)
4 Nobres Verdades
As Quatro Nobres Verdades, de acordo com os textos canônicos, são a Verdade do Sofrimento, a Verdade da Causa do Sofrimento, a Verdade da Extinção do Sofrimento e a Verdade do Caminho de Oito Aspectos para a Extinção do Sofrimento.
Nobre aqui é usado com o sentido oposto de comum, ordinário, indicando iluminação supramundama, uma condição transcendendo a existência mundana.
"A básica doutrina Budista das Quatro Nobres Verdades é completamente lógica: exclui qualquer coisa que seja ilógica. A exclusão do ilógico é característica básica e única do Budismo." (Prof. Mizuno Kogen "Essentials of Buddhism").
O Sutra do Girar a Roda do Darma no Parque dos Cervos, uma das seções do Samyutta-nikaya, é onde as Quatro Nobre Verdades são descritas por Xaquiamuni Buda (cerca do século VII antes de Cristo):
"Monges! Nascimento é sofrimento, velhice é sofrimento, doença é sofrimento, morte é sofrimento."
"Estar unido ao que se detesta é sofrimento. Separar-se do que se ama é sofrimento. Não se obter o que se deseja é sofrimento. Resumindo, apego aos cinco agregados é sofrimento."
"Esta é a Nobre Verdade do Sofrimento."
"Monges! É o apego que leva ao renascimento, conectado à alegria e ganância, continuamente encontrando deleite e prazer ora aqui ora ali. É o apego por satisfações sensuais, apego à existência e apego à não-existência."
"Esta é a Nobre Verdade da Causa do Sofrimento."
"Monges! O apego pode ser afastado e destruído, abandonado e rejeitado. Libertar-se e livrar-se dos apegos (é possível)."
"Esta é a Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento."
"Monges! Esta é a Nobre Verdade sobre o Caminho de Exterminar o Sofrimento:
ponto de vista correto, pensamento correto, fala correta, ação correta, meio de vida correto, esforço correto, atenção correta e concentração correta."
Sofrimento
A importância da Verdade do Sofrimento (dukkha-satya, dukkha-sacca) é a necessidade primordial de ver a realidade como é. Em termos do absoluto, o relativo é incompleto, repleto de contaminações e sofrimentos.
Há oito espécies de sofrimento: nascimento, velhice, doença, morte, contato com o que detestamos, separação do que amamos, objetivos inalcançáveis e o sofrimento inerente ao apego aos cinco agregados (elementos psicofísicos: forma - rupa, sentimentos - vedana, percepção - samjna, sanna, constituintes mentais - samskara, sankhaara e consciência - vijnana, vinnana. Coletivamente são chamados de numa (nome) e rupa (forma). Assim o composto de nome-forma é um sinônimo dos cinco agregados. Tanto os agregados físicos como mentais são caracterizados pela impermanência, sofrimento e não-eu.
Causa do Sofrimento
Na Verdade da Causa do Sofrimento (samudaya-satya, samudaya-sacca) a palavra da Índia traduzida como "causa" significa "vir junto, formar-se conjuntamente e surgir, aparecer". O Sutra considera apego como a causa do sofrimento. Há três tipos de apegos:
Apegos sensuais, dos cinco desejos ou seja, dos desejos resultantes dos objetos dos cinco sentidos. Apego mundano.
Apego por existência se refere a existência superior, nos níveis celestiais, de renascimento nesses estados. É ainda um aspecto egoista.
Apego à não-existência é o desejo pelo nada, como condição de paz interior, considerado egoísta. Alguns traduzem não existência como apego à prosperidade desde que a palavra Vibhara também pode ter esse sentido. Os comentários tradicionais interpretam como não-existência e é nesse sentido que aqui interpretamos.
("Budismo recomenda atividade positiva e uma atitude de não-eu para purificar a sociedade nesta vida." - Prof. Mizuno)
Extinção do Sofrimento
O Sutra define a Verdade da Extinção do Sofrimento (nirodha-satya, nirodha-sacca) como a eliminação dos apegos e o estado de Nirvana.
Sutras primitivos descrevem Nirvana como eliminação das máculas, extinção da ganância, raiva e ignorância. Neste contexto a extinção do sofrimento é Nirvana.
O Caminho
A Verdade do Caminho (marga-satya, magga-sacca) se refere á extinção do sofrimento, ao caminho de prática e ao nirvana. Conhecido como O Caminho Nobre de Oito Aspectos ou Oito Passos (arya-astangika-marga, ariya-aatthangika-magga). Embora estudados individualmente cada aspecto faz parte de um todo orgânico e indivisível.
Ponto de Vista Correto - sabedoria e compreensão das Quatro Verdades Nobres e da Origem Interdependente. Alguns consideram como Fé Correta, para os de pouca experiência que ainda não adentraram o nível da sabedoria superior.
Pensamento Correto - pensamento ou determinação que precede ação ou fala. Para uma pessoa ordenada é a prática do pensamento correto através da mente cada vez mais gentil, compassionada e pura. Para os leigos é pensar corretamente sobre sua situação e agir determinadamente de acordo.
Fala Correta - surge do pensamento correto. Não mentir, não usar linguagem pesada, não falar mal dos outros, não caluniar, não falar frivolamente e usar a fala beneficiando a todos e conduzindo à harmonia, pela ternura que nutre a todos os seres.
Ação Correta - surge do pensamento correto. Não matar, não roubar, não cometer adultério. É praticar boas ações como a de proteger e cuidar de todos os seres, observando os valores éticos.
Meio de Vida Correto - conduta correta na maneira de viver, de se manter, com hábitos regulares e saudáveis de dormir, comer, trabalhar, fazer exercícios, descansar. Viver de maneira a melhorar a saúde, ser mais eficiente e criar harmonia, eficiência e saúde para todos. Ter meios de vida que considerem outros seres, outras formas de vida, o respeito e dignidade próprios e dos outros presentes e passados, as futuras gerações, a sustentabilidade e a melhor qualidade da vida.
Esforço Correto - dedicar-se constante e assíduamente ao caminho de obter os ideais de fé religiosa, ética, eduação, política, economia e saúde produzindo e aumentando o que é bom e prevenindo e eliminando o que é mal.
Atenção Correta - manter-se atento garante que com a correta consciência e percepção nunca sejam esquecidos os objetivos ideais de fazer o bem a todos os seres. Na vida diária é agir com cuidado e atenção, pois qualquer momento desatento pode causar um desastre. Do ponto de vista Budista tradicional significa manter constante atenção à impermanência, sofrimento, não-eu.
Concentração Correta - aqui a referência é aos Dhyanas ou estados meditativos. Manter a mente calma e concentrada para permintir a manifestação da sabedoria completa e verdadeira a partir da qual surgem os pensamentos e ações corretas. Manter a mente clara e brilhante ativa em tranquilidade, tranquila em atividade.
Bibliografia utilizada:
Essentials of Buddhism - Basic Terminology and Concepts of Buddhist Philosophy and Practice (Primeira Edição 1996)
Autor: Kôgen Mizuno - Autoridade em Budismo Primitivo e Pali, foi Presidente da Universidade de Komazawa, em Tóquio onde ensinava também Budismo.
Editora: Kosei Publishing Co, - Tokyo - Japan
Tradução e Revisão de Monja Coen
Janeiro de 2003
OS CINCO AGREGADOS
De acordo com o budismo, os seres humanos são compostos de Cinco Agregados (skandhas): forma, sensações, percepções, formações mentais e consciência. Os Cinco Agregados contêm em si tudo o que existe - tanto dentro como fora de nós, na natureza e na sociedade.
O 1o. Agregado Forma (rupa) significa o nosso corpo, incluindo os cinco órgãos dos sentidos e o sistema nervoso. Uma boa prática de atenção plena ao corpo é nos deitarmos e praticarmos o relaxamento total. Permita que seu corpo descanse um pouco, e a seguir concentre a atenção na testa. "Ao inspirar, tomo consciência de minha testa. Ao expirar, sorrio para minha testa". Use a energia da atenção plena para tocar a testa, o cérebro, os olhos, ouvidos e nariz. A cada vez que inspirar, torne-se consciente de uma parte diferente do corpo, e cada vez que expirar, sorria para aquela parte. Use as energias da atenção plena e do amor para abraçar cada pedaço do corpo. Abrace seu coração, pulmões e estômago. "Ao inspirar, tomo consciência de meu coração. Ao expirar, abraço meu coração". Estabeleça a prática de explorar todo o seu corpo, usando a luz da atenção plena e sempre sorrindo para cada uma das partes com compaixão e amor. Quando terminar de fazer isso, você se sentirá extraordinariamente bem. Só leva meia hora, e o corpo descansará profundamente durante esses trinta minutos. Não se esqueça de cuidar bem de seu corpo, dando a ele tempo de descanso, e abraçando-o com carinho, compaixão, atenção e amor.
Aprenda a considerar seu corpo como um rio, no qual cada célula é comparável a uma gota de água. A todo instante as células estão nascendo e morrendo. O nascimento e a morte se apóiam mutuamente. Para praticar a atenção plena ao corpo, siga o ritmo da respiração e focalize a atenção em cada parte do corpo, desde o cabelo no alto da cabeça até as solas dos pés. Respire sempre com atenção plena e abrace cada parte do corpo com a energia da atenção plena, sorrindo com reconhecimento e amor. O Buda disse que existem trinta e duas partes no corpo que devem ser reconhecidas e abraçadas. Identifique os elementos que fazem parte de seu corpo: terra, água, ar e calor. Entenda a ligação que existe entre esses quatro elementos dentro e fora de seu corpo. Veja a presença viva de seus ancestrais e também das gerações futuras, além de todos os outros seres dos reinos animal, vegetal e mineral. Tome consciência das posições de seu corpo (de pé, sentado, caminhando, deitado) e dos seus movimentos (dobrado, esticado, tomando banho, vestindo-se, comendo, trabalhando etc.). Quando você dominar bem essa prática, conseguirá identificar as sensações e percepções no momento em que surgem, sendo capaz de praticar com atenção, olhando profundamente.
Observe a natureza impermanente e interdependente de seu corpo, observe que ele não tem uma entidade permanente. Assim, você não mais se identificará com o corpo nem o considerará como sendo o "eu". Veja seu corpo como uma formação, vazio de substância própria que possa ser denominada "eu". Veja o corpo como um oceano cheio de ondas ocultas e monstros marinhos. Por vezes, o oceano pode se mostrar calmo, mas em outros momentos é surpreendido por uma tempestade. Aprenda a acalmar as ondas e dominar os monstros marinhos, sem se deixar arrastar nem ser apanhado por eles. Através da prática da observação profunda, o corpo deixa de ser um agregado de apegos e desejos (upadana skandha), e você conquista a liberdade, para que nunca mais se sinta prisioneiro do medo.
O 2o. Agregado são as sensações (vedana). Existe um rio de sensações dentro de nós, e cada gota desse rio representa uma sensação. Para observar nossas sensações, sentamo-nos na margem do rio e identificamos cada uma à medida que passa por nós. Pode ser agradável desagradável ou neutra. Uma sensação qualquer permanece por algum tempo, e a seguir surge outra. A meditação implica ter consciência de cada uma dessas sensações. Reconhecê-la, sorrir para ela, contemplá-la e acolhê-la com todo o coração. Se continuarmos com a contemplação, descobriremos a verdadeira natureza da sensação, e não teremos mais medo, nem mesmo quando for uma sensação dolorosa. Saberemos que somos muito mais do que as nossas sensações, e que somos capazes de acolher cada sensação e lidar com ela.
Ao contemplar profundamente cada sensação, identificamos suas raízes dentro do corpo, das nossas percepções e da nossa consciência profunda. A compreensão de uma sensação é o início de sua transformação. Aprendemos a acolher até mesmo as emoções mais fortes, usando a energia da atenção plena, até que elas se acalmem. Praticamos a respiração consciente, focalizando a atenção no abdome, que se eleva e se retrai a cada respiração. Cuidamos de nossas emoções da mesma forma que cuidaríamos de um irmão ou irmã pequenos, se fosse preciso.
Praticamos olhando profundamente nossas sensações e emoções, para identificar os nutrientes que as alimentaram. Sabemos que se formos capazes de ingerir nutrientes melhores, nossas sensações e emoções mudarão. Nossas sensações são apenas formações, impermanentes e sem substância. Aprendemos a não nos identificar com elas, a não considerá-las como nós mesmos, a não nos refugiar nelas, e a não morrer por causa delas. Esta prática nos ajuda a cultivar o destemor, e nos liberta do hábito de ficar agarrados às coisas, até mesmo ao sofrimento.
O 3o. Agregado consiste nas percepções (samjna). Dentro de nós corre um rio de percepções. Elas surgem, permanecem por algum tempo, e depois desaparecem. O agregado da percepção é composto da ação de prestar atenção, de nomear, formular conceitos, e também daquele que percebe e daquele que é percebido. Quando percebemos algo, normalmente distorcemos o que foi percebido, o que costuma ocasionar diversos sentimentos dolorosos. Nossas percepções são freqüentemente errôneas, e quem sofre com isso somos nós. É muito útil contemplar a natureza de nossas percepções sem muitas certezas. Quando temos certezas demais, acabamos sofrendo. Uma pergunta que se revela muito útil é: "Será que tenho certeza disto?" Se nos fizermos sempre esta pergunta, há uma boa oportunidade de olhar novamente e verificar se nossa percepção original estava errada. Aquele que percebe e aquilo que é percebido são inseparáveis. Quando alguém percebe erroneamente, a coisa percebida também está incorreta.
Um homem estava remando seu barco correnteza acima quando de repente viu outro barco vindo em sua direção. Gritou diversas vezes "Cuidado, cuidado!" mas o outro barco continuou sem se desviar, até colidir, quase afundando o seu barco. O homem ficou furioso e começou a gritar, mas ao olhar melhor constatou que não havia ninguém no outro barco. O barco estava desgovernado, descendo o rio à deriva, e o homem acabou dando boas gargalhadas. Quando nossas percepções são corretas, elas fazem com que nos sintamos melhor, mas quando estão erradas, geram inúmeras e desagradáveis sensações. Temos que observar as coisas com atenção, para evitar sofrimento ou sensações difíceis. As percepções são um elemento fundamental do nosso bem-estar.
Nossas percepções são condicionadas pelas aflições já presentes em nós: a ignorância, os desejos, o ódio, a raiva, o ciúme, o medo, a força do hábito etc. Percebemos os fenômenos sempre através de nossa falta de compreensão da impermanência e da interdependência das coisas. Ao praticar a atenção plena, a concentração e o olhar em profundidade, descobrimos os erros contidos em nossas percepções e nos livramos do medo e do apego. Todo sofrimento nasce de percepções errôneas. A compreensão, que é o fruto da meditação, pode dissolver nossas percepções enganosas e nos liberar. Temos que estar sempre alertas, para não nos refugiar nas percepções. O Sutra do Diamante nos lembra: "Onde há uma percepção, há um engano". Seria ótimo se conseguíssemos substituir as percepções por prajna, a visão verdadeira, a sabedoria real.
O 4o. Agregado são as formações mentais (samskara). Qualquer coisa que seja feita de outro elemento é uma "formação". Uma flor é uma formação, porque ela é feita de luz do sol, de nuvens, sementes, terra, minerais, jardineiros etc. O medo também é uma formação, uma formação mental. Nosso corpo é uma formação física. Sensações e percepções são formações mentais, mas como são muito importantes, receberam uma categoria própria. De acordo com a Escola Vijnanavada, originária da linha de Transmissão do Norte, existem cinqüenta e uma categorias de formações mentais.
O Quarto Agregado consiste em quarenta e nove dessas formações mentais (excluindo-se as sensações e as percepções). Todas as cinqüenta e uma formações estão presentes dentro da consciência armazenadora, sob a forma de sementes (bijas). Cada vez que uma semente é afetada, ela se manifesta nas camadas superiores da nossa consciência (mente consciente) como uma formação mental. Nossa prática consiste em estar consciente dessas manifestações, bem como da presença das formações mentais, contemplando-as em profundidade para observar sua verdadeira natureza. Como já sabemos que todas as formações mentais são impermanentes e sem substância real, não nos identificaremos com elas nem buscaremos refúgio nelas. Com a prática diária, poderemos nutrir e desenvolver formações mentais saudáveis, transformando as não-saudáveis. O resultado dessa prática será a liberdade, a ausência de medo e a paz interior.
O 5o. Agregado é a consciência (vijnana). A palavra consciência nesse contexto significa a consciência armazenadora, aquilo que está por baixo de tudo o que somos, o alicerce sobre o qual erigimos nossas formações mentais. Quando as formações mentais não estão manifestadas, estão armazenadas na consciência armazenadora [alayavijnana] sob a forma de sementes - sementes de alegria, paz, compreensão, esquecimento, ciúme, medo, desespero, e assim por diante. Da mesma forma que existem cinqüenta e uma categorias de formações mentais, existem cinqüenta e uma categorias de sementes enterradas profundamente no solo de nossa consciência. Cada vez que regamos uma delas, ou permitimos que outra pessoa a irrigue, essa semente vai se manifestar e se tornar uma formação mental. Temos que ter cuidado na escolha das sementes a serem regadas por nós e pelos outros. Se deixarmos que as sementes negativas cresçam, eventualmente seremos arrastados por elas. O Quinto Agregado, a consciência, contém em si todos os outros agregados e é a base de sua existência.
A consciência é, ao mesmo tempo, coletiva e individual. O coletivo é feito daquilo que é individual, e o individual é feito do coletivo. Nossa consciência pode ser transformada através da prática do consumo cônscio, do uso consciente dos sentidos e da contemplação profunda. A prática deve se voltar para a transformação tanto dos aspectos individuais quando dos aspectos coletivos da consciência. É essencial praticar em companhia da Sangha, para poder produzir essa transformação. Quando as aflições que existem dentro de nós são transformadas, nossa consciência se converte em sabedoria, emitindo a luz que indica o caminho da libertação, tanto para indivíduos quando para toda a sociedade.
Os Cinco Agregados são interdependentes. Quando nos ocorre uma sensação dolorosa, devemos olhar para o corpo, para as nossas percepções, nossas formações mentais e nossa consciência, procurando a causa dessa sensação. Se tivermos uma dor de cabeça, a sensação dolorosa vem do Primeiro Agregado. Sensações dolorosas também podem se originar das formações mentais ou das percepções. Você pode, por exemplo, pensar que alguém o detesta, quando na verdade essa pessoa o ama.
Observe com atenção os cinco rios que correm dentro de você e veja como cada um deles contém em si os outros quatro. Olhe para o rio do corpo. No início você pode achar que o corpo é apenas físico e não mental. Só que cada célula de seu corpo contém dentro dela todas as informações contidas no seu corpo inteiro. Hoje em dia já é possível duplicar o corpo inteiro a partir de uma única célula, o que chamamos de clonagem. A unidade contém o todo. Uma única célula do seu corpo contém seu corpo inteiro. Isso significa que todas as sensações, percepções, formações mentais e consciência estão contidas em uma única célula - não apenas os nossos, mas também os de nossos pais e de nossos ancestrais. Cada agregado contém todos os outros agregados. Cada sensação contém em si todas as percepções, formações mentais e consciência. Ao observar uma sensação, podemos descobrir nela os outros elementos. Observe à luz da interdependência, e verá o todo na unidade e a unidade no todo. Não pense nem por um instante que o corpo existe fora das sensações ou que as sensações existem fora do corpo.
No Sutra Girando a Roda, o Buda diz: "Quando nos apegamos aos Cinco Agregados, eles produzem sofrimento". Ele não disse que os agregados são, por si mesmos, o sofrimento. Há uma imagem no Sutra Ratnakuta que nos pode ser útil. Um homem joga um bolo de terra para um cachorro. O cachorro olha para o bolo de terra e late furiosamente, porque não entende que é o homem, e não o bolo de terra, o responsável por sua frustração. O sutra continua: "Da mesma maneira, uma pessoa comum, presa a conceitos dualistas, pensa que os Cinco Agregados são a causa de seu sofrimento, enquanto na verdade a raiz do sofrimento está na falta de compreensão da natureza impermanente, sem existência separada, e interdependente dos Cinco Agregados". Não são os Cinco Agregados que nos fazem sofrer, mas a forma como nos relacionamos com eles. Ao observarmos a natureza impermanente, interdependente e sem existência própria de tudo o que existe, não sentimos aversão pela vida, mas, ao contrário, constatamos como a vida é preciosa.
Sempre que não entendemos muito bem, apegamo-nos demais, ficando presos às coisas. No Ratnakuta Sutra, os termos "agregado" (skandha) e "agregado do apego" (upadana skandha) são usados. Os skandhas são os Cinco Agregados que dão origem à vida. Upadana skandhas são os mesmos Cinco Agregados vistos como objetos de apego. A raiz de nosso sofrimento não está nos agregados em si, mas em nosso apego. Existem pessoas que, devido à compreensão incorreta da razão do sofrimento, em vez de lidarem com seus apegos, têm medo dos seis objetos dos sentidos e aversão pelos Cinco Agregados. Um Buda é alguém que vive em paz, alegria e liberdade, alguém que não tem medo nem está apegado a nada.
Quando inspiramos e expiramos e harmonizamos os Cinco Agregados dentro de nós, realizamos a verdadeira prática. Mas praticar não significa nos limitarmos aos Cinco Agregados internos. Temos consciência de que os Cinco Agregados também têm raízes na sociedade, na natureza e nas pessoas com quem vivemos. Medite no conjunto dos Cinco Agregados dentro de você, até poder ver a unidade que existe entre você e o universo. Quando o Bodhisattva Avalokita contemplou a realidade dos Cinco Agregados, viu o vazio do "eu", e se libertou do sofrimento. Se contemplarmos os Cinco Agregados com consistência, nós também nos libertaremos do sofrimento. Se os Cinco Agregados retornarem à sua origem, o sentido de "eu" deixa de existir. Enxergar a unidade dentro do todo significa romper com o apego a uma falsa idéia de "eu", a convicção de que o "eu" é uma entidade imutável com existência própria. Romper essa falsa visão significa se libertar de todos os tipos de sofrimento.
A ESSÊNCIA DO ENSINAMENTO DE BUDA – Thich Nhat Hahn
As seis paramitas
As três concentrações podem levar ao insight. Outro caminho ao insight é através das seis paramitas, seis técnicas para a felicidade. Paramita significa que a partir desta margem você vai à outra margem. A felicidade está lá na outra margem. Esta margem pode ser a margem do medo, e é possível para nós cruzarmos até a margem do destemor. Esta margem pode ser a margem do ciúme e é possível para nós cruzar até a margem da indiscriminação, do destemor, do amor. Às vezes precisamos somente de um segundo para ir de uma margem do sofrimento para a margem do bem-estar.
Doar
A primeira prática é a prática do dar, dana paramita. É maravilhoso ofertar. Quando você está com raiva de alguém, tem a tendência de punir àquela pessoa. Você quer privá-lo ou privá-la disso ou daquilo. Esta é a nossa tendência natural. Mas se você consegue ter a intenção de dar algo a ele ou a ela, sua raiva desaparecerá e você irá para a outra margem imediatamente, a margem da não-raiva. Tente. Suponha que de tempos em tempos você se enraivece com o seu companheiro e sabe que aquilo vai acontecer novamente no futuro. Então você vai, cria um presente e esconde em algum lugar. Da próxima vez que você se enraivecer com ele, não faça ou diga nada, apenas pegue o presente e dê a ele. Você deixará de ficar com raiva dele. Esta é a recomendação de Buda.
Buda nos ensinou muitas maneiras de lidar com a nossa raiva e esta é uma delas. Quando você está com muita raiva de alguém, dê algo a ele, dê algo a ela, pratique a generosidade. Você não precisa ser rico para praticar doação. Você não precisa ir ao supermercado para confeccionar um presente. O modo como você olha para ele já é um presente. Existe compaixão em seus olhos. A maneira como você fala é um presente, porque o que você diz é tão doce, é tão libertador. Uma carta que você escreve a ela também pode ser um presente. Nós somos muito ricos em termos de pensamento, em termos de fala, em termos de ação; podemos ser sempre generosos. Não seja econômico. Você pode ofertar a qualquer momento, e isto inspirará a felicidade das pessoas a sua volta. Pratique dana paramita. Sempre dê, e você se tornará cada vez mais rico a cada momento. Esta é a primeira ação do bodisatva, a prática da doação, da generosidade. Por favor, lembre-se que você não precisa ser rico para praticar o dar.
O treino da consciência plena.
A segunda prática é a prática da consciência plena, shila paramita. A prática da consciência plena também é uma dádiva. A prática dos treinos da consciência plena também é um presente – para você e para as pessoas que você ama. Se você persiste na prática dos treinos da consciência plena, você se protege, se torna bonito, você se torna saudável, você se torna seguro, e isto apóia a felicidade da outra pessoa. Praticando os treinos da consciência plena você fica protegido pela energia de Buda, do Darma e da Sanga, você não cometerá mais erros, você não criará sofrimento para si mesmo e para as pessoas a sua volta. É por isso que a prática dos treinos já é uma dádiva. Os Cinco Treinos da Consciência Plena lida com integridade, honestidade e compaixão.* Eles englobam proteger a vida, impedir a guerra e destruição da vida, praticar a generosidade, evitar má conduta sexual, praticar a fala consciente e amorosa e escuta profunda, e praticar o consumo consciente.
Os praticantes dos treinos da consciência plena têm uma energia poderosa que protege e preserva a liberdade e o destemor deles. Se você praticar os Cinco Treinos da Consciência Plena, você não mais estará sujeito ao medo, porque o corpo dos seus treinos conscientes é puro. Você não mais estará temeroso de nada. Esta é uma dádiva para toda a sociedade e não só para as pessoas que amamos. Bodisatva é alguém que está sempre protegido (a) pela prática dos treinos da consciência plena e que pode oferecer muito mesmo a partir da prática destes treinos.
Inclusão
A terceira técnica para atravessar até a outra margem é a prática da inclusão, kshanti paramita, a prática de ajudar o seu coração a crescer cada vez mais e mais o tempo todo. Como poderemos ajudar os nossos corações a crescer todo dia, para serem capazes de abraçar tudo? Buda deu um exemplo muito bonito. Suponha que você tem uma tigela com água e alguém coloca um punhado de sal dentro da tigela; a água ficaria muito salgada para você beber. Mas suponha que alguém joga um punhado de sal dentro de um límpido rio de montanha. O rio é suficientemente profundo e amplo que você ainda pode beber da água sem sentir o gosto do sal.
Quando o seu coração é pequeno, você sofre muito. Mas quando o seu coração se torna maior, muito grande, então a mesma coisa não lhe faz sofrer mais. O segredo, portanto, é saber como ajudar o seu coração a crescer. Se o seu coração é pequeno, você não consegue aceitar àquela pessoa, você não consegue tolerá-la com os defeitos dela. Mas quando o seu coração é grande, você tem muita compreensão e compaixão, e assim não há problema, você não sofre e a abraça porque o seu coração é bem grande.
Sofremos porque o nosso coração é pequeno. Reclamamos que a outra pessoa deveria mudar para ser aceita por nós. Mas quando o nosso coração é grande, nós não ditamos algumas condições, nós aceitamos as pessoas como elas são, e elas têm uma chance de se transformarem. O segredo é como fazer crescer nossos corações. A prática da compreensão ajuda a energia da compaixão a surgir. Quando a compaixão está presente, deixamos de sofrer. Sofremos porque não temos compaixão suficiente. No momento em que temos muita compaixão não existe mais sofrimento. Encontramos os mesmos tipos de pessoas, encontramos as mesmas situações, mas não sofremos mais porque nosso amor é tão grande.
Ajudar o nosso coração a crescer, kshanti paramita, é a capacidade de abraçar todos e tudo, você não exclui ninguém. No amor verdadeiro, você não mais discrimina. Qualquer que seja a cor, a religião ou crenças políticas da pessoa, você aceita todas elas sem qualquer tipo de discriminação. Inclusão aqui significa não discriminar. A prática de kshanti paramita tem sido compreendida como a prática da tolerância. Mas o termo tolerância pode ser enganoso. Quando você tenta tolerar você sofre. Mas quando o seu coração é muito grande, você não parece sofrer de jeito algum. Imagine que você tem uma cesta de sal e você a sacode dentro do rio – o rio não sofre porque o rio é tão grande. As pessoas continuam retirando água para cozinhar e beber, e tudo bem. Portanto, você sofre somente quando o seu coração é pequeno. É por isso que o bodisatva consegue continuar a sorrir. Praticar kshanti paramita, você não tem que suprimir ou tentar fazer um esforço, porque se você estiver suprimindo, tentando suportar aquilo, isto pode ser perigoso. Se o seu coração for pequeno e se você fizer um esforço demasiado, o seu coração pode partir. A prática da inclusão consiste em ajudar o seu coração a se tornar maior e maior e maior, e isto é graças à prática da compreensão e compaixão.
Diligência
Diligência, a próxima paramita, é virya paramita. Quando estudamos consciência no budismo, compreendemos o significado da diligência em termos de consciência armazenadora, em termos de sementes. Em nossa consciência armazenadora existem sementes de sofrimento e sementes de felicidade, sementes saudáveis e doentias. A prática da diligência consiste em aguar as sementes saudáveis. Esta é uma prática quádrupla. Em primeiro lugar, organize sua vida de modo que as sementes maléficas não tenham chance alguma de se manifestarem. Isto requer um pouco de organização. Temos que organizar nossa vida, nosso ambiente de tal modo que a semente da violência, a semente da raiva, a semente do desespero dentro de nós não tenham chance alguma de serem aguadas. Existem pessoas entre nós que moram no tipo de ambiente onde as sementes negativas são aguadas todo dia. Isto não é diligência. Temos que organizar, nós temos que decidir, nós temos que usar nosso livre arbítrio para organizar nossa vida, incluindo nossos padrões de consumo. Sabemos muito bem que existe uma semente de desespero, de violência, de medo dentro de nós. Não é saudável que permitamos que ela seja aguada e se manifeste. Se nós vivemos no centro de prática, muitas coisas que ouvimos e vemos nos ajuda a tocar os aspectos saudáveis da nossa consciência. Assim as sementes negativas têm menos chances de crescer. Você pode discutir com os outros como criar o tipo de ambiente, o estilo de vida que lhe ajuda a impedir que estas sementes negativas sejam aguadas e se manifestem.
E se por acaso as sementes negativas forem aguadas e se manifestarem o que devemos fazer? Organize para que elas retornem às suas formas de sementes o mais rápido possível. E podemos fazer isto de muitas formas. Suponha que, através da prática da yoniso manaskara, atenção apropriada, nós prestamos atenção a outros objetos da consciência, coisas interessantes, pacíficas e bonitas. Quando estamos em contato com coisas boas, as manifestações doentias retornarão para seus lugares originais enquanto sementes. Entre os métodos prescritos por Buda está o método de mudar o pino. Nos tempos antigos, o carpinteiro usava um pino de madeira para conectar dois blocos de madeira. Ele fazia um buraco e conduzia um pino para dentro do buraco, segurando juntos os dois blocos de madeira. Se o pino se decompuser, você pode mudar o pino conduzindo um novo pino no mesmo buraco, assim você substitui um pino velho por um novo. Esta é uma analogia para a técnica de mudar formações mentais. Quando por acaso a formação mental da raiva é aguada e se manifesta dentro da sua consciência mental, você sofre, e agora você tenta usar outra formação mental para vir e substituí-la. Nos tempos de hoje nós não usaríamos a expressão “mudar o pino”, mas “mudar o CD”. Se o CD que está tocando não for bom, você simplesmente o interrompe e coloca outro CD, porque nós temos muitos CDs para escolher lá embaixo da nossa consciência armazenadora. Então a segunda prática é mudar o CD porque se permitirmos que o CD anterior, ou a formação mental, permaneça por muito tempo, então esta continuará a aguar as coisas negativas e trazer à tona novamente estas coisas. A segunda prática da diligência é organizar para que estas manifestações negativas voltem a ser sementes o mais rapidamente possível.
A terceira prática é aguar as sementes que são saudáveis e belas dentro da consciência armazenadora, ajudando-as a ter chance de se manifestar: a semente de compaixão, do amor, a semente da esperança, a semente da bondade amorosa, a semente da alegria; você possui sim estas sementes. Então organize sua vida e pratique de tal modo que estas sementes possam ser aguadas muitas vezes ao dia para que elas se manifestem. Nós podemos fazer isto enquanto pessoa, nós podemos fazer isto enquanto casal, nós podemos fazer isto enquanto sanga, ajudando um ao outro a aguar as sementes benéficas, para que elas possam se manifestar na tela da consciência mental. Quando as sementes benéficas se manifestam, alegria, liberdade e felicidade são possíveis.
A quarta prática é manter as sementes positivas manifestas por tanto tempo quanto possível. É como quando você tem visitas agradáveis lhe visitando, você as encoraja a ficar o tanto quanto possível, porque elas lhe trazem muita alegria. Por isso, mantenha as manifestações positivas o tanto quanto possível. Quanto mais tempo elas ficarem conosco, tanto mais oportunidades nós teremos para que estas sementes se desenvolvam no nível inferior da nossa consciência. Enquanto elas estão se manifestando, elas funcionam como a chuva que água as sementes do mesmo tipo que estão lá embaixo, e estas continuam a crescer e crescer. É como quando você continua a assistir a programas violentos na televisão, a semente da violência continua a crescer dentro de você. Se você continuar a ouvir a palestras do Darma, então as sementes benéficas da compreensão e liberdade dentro de você continuam a serem aguadas. Por isso a diligência deve ser compreendida à luz dos ensinamentos sobre a consciência.
Meditação
A quinta técnica é meditação, dhyana paramita. Meditação significa gerar a energia da consciência plena e manter concentração. Com consciência plena você pode entrar em contato com os maravilhosos eventos da vida para seu sustento e cura. A concentração lhe ajuda a olhar para tudo profundamente para descobrir a natureza da impermanência, da inexistência do eu, e da interexistência. Existem muitos tipos de concentração, incluindo a concentração da impermanência, a concentração da inexistência do eu, a concentração da vacuidade e concentração da interexistência.
Sabedoria
Prajña paramita, atravessando com o barco da sabedoria, é a sexta paramita. Nós cultivamos a consciência plena, nós cultivamos a concentração e a compreensão, e sabedoria é o fruto do nosso cultivo. A sabedoria é o fruto e também é o meio de se alcançar libertação. A libertação é encontrada na outra margem. Mas não é uma questão de tempo, nem uma questão de distância para alcançar a outra margem – é uma questão de insight, de realização. Ao soltar a margem da ignorância, das delusões, do apego, das percepções errôneas, nós já estamos tocando a margem da liberdade, da felicidade. Não é uma questão de tempo.
Quando você vive profundamente cada momento com consciência plena e concentração a sua compreensão, o seu insight sempre cresce. É a nossa compreensão que traz compaixão, que nos libera das aflições como o medo, a raiva. Então, uma bodisatva vive a vida dela de tal modo que os seis elementos da prática crescem a cada dia. E da margem do sofrimento, da margem do temor, a bodisatva pode cruzar para a outra margem do bem estar e destemor muito rapidamente. Porque ela tem instrumentos poderosos para fazer isto.
Enquanto Sanga, cada um de nós tem a obrigação, tem a alegria de cultivar a consciência plena. E a nossa mente, o nosso corpo, é o jardim. Quando tocamos o chão diante de Buda, diante dos bodisatvas, nós somos encorajados a tocar Buda dentro de nós mesmos, os bodisatvas dentro de nós mesmos. Temos que saber que Avalokiteshvara, o bodisatva da compaixão, não é uma entidade fora de nós. Temos a capacidade de ser compassivos.
(Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment, de Thich Nhat Hanh)
(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)